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  • Quarta-feira, 24 de agosto de 2004


    Promessas de esquecimento


    Porque esquecer era sempre difícil. E por mais que ela apagasse a luz, fechasse os olhos, se recusasse a dormir. Por mais que ela evitasse os girassóis, as poesias, os filmes de amor, a lembrança a abraçava com seus braços fortes e mornos.

    E ainda que a vida insistisse em presenteá-la com dias ensolarados e promessas de risos fáceis, a memória era sua visita mais constante, sentada na velha poltrona da sala.

    Agora lá estava ele, a fitá-la como uma estátua triste e solitária. Pálida e fria. O olhar duro de pedra. Uma peça grande demais, pesada demais, antiga demais para a casa.

    E Antônia, que contemplara durante quase um ano aquele presente, do lado de fora da vitrine, agora já não sabia mais se o queria.

    Os traços fortes, bem marcados, bonitos. As palavras divertidas, inteligentes e agradáveis. A lembrança de momentos frágeis, de uma felicidade quase proibida. De cortes profundos. De grossas escaras. Se ela esticasse as mãos, poderia agora tocar o mármore escorregadio. E no meio daquela fortaleza de pedra, sentiu-se novamente prisioneira.

    O girassol envolto pelas mãos trêmulas. O pedido de perdão suspenso na sala. O semblante imóvel, talhado na pedra. A rigidez paralisada do sorriso.

    Mas esquecer era sempre difícil. E ela era como os débeis insetos atraídos pela luz. Promessas mortais de calor. Ela girava, atônita, ao redor da lâmpada embora soubesse que apesar de belo, aquele era um espetáculo artificial. Num vôo cego, desesperado, instintivo, deixou pousar seus lábios sobre o mármore gelado. E como quem escreve seu nome em uma lápide, foi queimar-se na beleza passageira daquela luz. Até que os dedos implacáveis da realidade viessem devolve-la novamente à escuridão.