COLUNAS:


por Weider Weise



por Thiago Andrada



por Andréa Martins



por Wilton Carvalho



por Rodrigo Leme




ARQUIVOS:

  • novembro 2004
  • dezembro 2004
  • janeiro 2005
  • fevereiro 2005
  • março 2005
  • abril 2005
  • agosto 2005
  • setembro 2005







  • Quarta-feira, 23 de março de 2005

    As razões do amor

    Era mais que amor. Era alguma coisa como um impulso que a atraía para um precipício. Uma música que ela já sabia de cor. Que repetia mesmo sem perceber.

    Só porque ela ficava cega diante de seus olhos. E porque adorava ficar em silêncio ao seu lado, como quem toma cuidado para não despertar uma criança de sono leve.

    Só porque seu riso a levava a terras distantes onde não havia maldade alguma. E porque sua vida de mistérios era como uma biografia que ela nunca se cansava de ler.

    Só porque seu abraço era leve e macio e infinito e triste como um adeus. E porque todas as vezes que eles se despediam, ela pensava que seria a última e nunca era.

    Só porque sua ira a machucava, mas ela era criança desobediente e batia o pé, e insistia, e ia ficando. E porque ele ficava triste quando a fazia chorar e ela mais ainda, mas depois eles se perdoavam.

    Só porque ele falava um monte de bobagens e ela dava risada. E depois ele falava um monte de coisas complicadas e ela fazia cara de quem estava entendendo, mas não estava entendendo nada. E porque ele gostava de falar sobre política e sobre o mundo, e muitas vezes eles discordavam.

    Só porque todos os dias ele lhe roubava um sorriso. E porque quando eles estavam distantes ela escrevia poesias para ninguém ler.

    Só porque quando suas mãos estavam unidas às dele, era como se houvesse uma ponte que não pudesse nunca ser partida.




    Quarta-feira, 09 de março de 2005

    A ninhada

    Por mais que Luiza corresse, não conseguia superar a própria dor. Mas era só um arranhão, ela repetia para si mesma, como se apertando demais o machucado pudesse encontrar algum alívio.

    No peito ofegante, a ânsia de um grito. Não, não era só mais um arranhão. Era um corte brutal e profundo. Uma grossa cicatriz marcada na carne.

    A tarde era quente e a cidade estava agitada. Mas Luiza mal podia sentir os pés tocando o asfalto. O suor gotejava-lhe da testa. A cabeça latejava. Era como se sua vida tivesse sido suspensa no exato momento em que deixara o consultório no final daquela tarde.

    Nas mãos, o envelope e sua sentença. Na alma, um imenso vazio. Por que ela?

    Sem poder mais sustentar o peso que sua vida ganhara nas últimas horas, Luiza deixou-se cair, exausta, no banco da praça.

    Sentia-se um galho seco. Uma árvore oca, incapaz de produzir frutos. E não sabia como contar ao marido. Justamente eles, que sempre planejaram uma família grande e feliz. Que sempre sonharam com a casa lotada. Com crianças correndo pelo quintal.

    E agora a vida vinha como um vendaval, desordenando sua casa, tirando-lhe o equilíbrio, derrubando o varal onde ela estendera cada dia felicidade ao lado do filho tão desejado.

    Lembrou-se de seus oito anos, quando ganhara um filhote de gato do avô. Da grande alegria que sentiu ao afagar aquele pêlo macio e de seu encantamento diante da fragilidade e da doçura do animal.

    Lembrou-se também da imensa tristeza misturada com uma profunda culpa por ver a gata-mãe desesperada à procura de sua cria. De seus dias de angústia, vasculhando todo o quintal sem encontrar qualquer pista.

    Agora era ela quem vagava pelas ruas exigindo sua ninhada. Farejando pela tarde triste alguma esperança de poder ter seus filhotes nos braços. E seu miado rouco e melancólico também atravessaria as madrugadas.




    Quarta-feira, 02 de março de 2005

    Agora

    Agora o que ficou foi só esta tristeza indigesta
    Que sangra sem nunca cicatrizar
    Agora é o sorriso escancarado do meu medo
    No retrato sinistro da parede
    Agora é meu desespero e minha solidão
    Dançando uma valsa mórbida no meu quarto
    Agora é o beijo de mil facas em meu rosto
    Agora é a dor esparramada em minha cama
    Agora é o ponteiro paralítico do relógio
    Agora é sua voz serenizada na lembrança
    Agora é despedida, e eu partida
    Agora é o silêncio dolorido da minha vida