Lições de um náufrago
Como quem desce uma corredeira violenta e perigosa, dezenas de rostos assustados e infantis vinham desaguar pela grande escadaria, esperando que as comportas do colégio se abrissem para o primeiro dia de aula.
De uniforme azul e branco, éramos marinheiros de primeira viagem, agarrados às nossas mochilas novas como se fossem coletes salva-vidas.
O primeiro sinal soou longo e triste, lembrando o apito de um velho navio. Uma senhora de saia até o joelho e rugas de extrema rigidez na testa conduziu cada pequena fila de crianças pelo colégio, deixando cada uma delas seguir seu curso.
Acomodados em nossas carteiras de madeira, aguardávamos a entrada do novo capitão. Uma onda crescente de burburinho invadia a classe, denunciando o mar de expectativa e ansiedade em que estávamos mergulhados. Apesar disso, mantínhamo-nos imóveis em nossos botes de madeira.
Como se tentasse decifrar um complicado mapa, eu vasculhava cada um dos livros em busca de pistas do tesouro que logo viríamos a descobrir. Foi então que notei um súbito e incômodo silêncio inundar a sala.
Parada diante da porta, uma pequena e assustada criatura nos olhava, varrendo com desespero todos os cantos da classe à procura de um lugar onde pudesse ancorar.
Logo, os primeiros risos pipocaram pela sala, contagiando cada um dos alunos. Nos olhos espantados e cinzentos da menina, via-se o anúncio de uma violenta tempestade.
Sem saber direito como socorrer a jovem náufraga,estendi meu braço e a conduzi até o meu lugar.
Dividi minha carteira com Iara durante todo o primeiro dia de aula. A esta altura, a classe já tornara-se uma confusão insuportável de risos e piadinhas sobre a nossa amizade. Iara esteve ao meu lado o ano inteiro. Estudamos juntos para as provas, brincamos na rua e trocamos confidências nos intervalos das aulas. E foi na correnteza profunda e perigosa de seus olhos que vi surgir e naufragar o meu primeiro amor.
