Quarta-feira, 1 de dezembro de 2004
O dia que gostava de dormir até mais tarde
Porque aquela prometia ser uma segunda-feira muito sem graça, o dia perdeu a hora e esqueceu de amanhecer. Aturdidas e sonolentas, as primeiras casas despertaram. Exigiam, afinal, uma explicação. Que direito teria o dia em se atrasar? Quem daria explicações aos chefes?
Quem pagaria pelas horas de trabalho desperdiçadas? Não, não estava certo. As crianças perderiam aulas no colégio. O almoço ficaria pronto mais tarde. A reunião teria de ser adiada e, tudo por quê? Porque o dia decidira dormir até mais tarde! Logo ele, que jamais se atrasara. Logo ele, que amanhecia pontualmente às seis e meia, nesta segunda-feira roncava, indiferente aos milhares de despertadores que gritavam estridentemente, mundo afora.
Em alguns lugares, até a chuva decidiu ajudar com um pouco de água fria. Tudo Inútil. Ele virava-se para o lado, sorria preguiçosamente e, agarrado a um macio travesseiro de penas de ganso, voltava a dormir.
As crianças, de início assustadas, logo mostraram-se felizes por poderem faltar à escola. Os galos cantavam, desorientados. Alguns, já roucos, decidiram voltar para a cama: afinal, se o dia que é dia podia dormir até mais tarde, por que não eles?
Uma senhora, mais religiosa, decidiu ir até a igreja. O padre haveria de ter uma solução para um caso desses.
O guarda noturno, por sua vez, pensava em reclamar horas extras. Que desculpa daria à mulher? “ Querida, o dia se atrasou hoje, não foi culpa minha”. Ela não era tola de acreditar numa história desta.
A noite bocejava e esbravejava: “ Estes dias eram mesmos todos iguais!” Podia apostar como ele tinha ficado até mais tarde na gandaia. Mas isto não haveria de ficar assim. Ela o chamaria para uma conversa séria no dia seguinte. E, conforme fosse, pediria o divórcio.
O padre, ainda de pijama, mantinha um ar preocupado: Será que o dia adoecera? Seria um caso de estresse? Talvez estivesse precisando se aposentar. Neste caso, quem substituiria o dia? Julgando que aquele era um caso de máxima urgência, decidiu dar um telefonema ao Papa. Será que o interurbano ficaria mais barato? As tarifas noturnas sempre são mais baixas…
Enquanto isso os taxistas, animados, faziam suas corridas, aproveitando a oportunidade para cobrar bandeira dois às 10 da manhã.
As companhias de energia elétrica, por sua vez, já começavam a calcular os lucros extraordinários que teriam enquanto o dia insistisse naquele desleixo.
O presidente norte-americano já estava preparando uma estratégia para salvar o mundo daquilo que ele concluíra ser um atentado terrorista do dia, quando ouviu-se um grande estrondo. Assustados e confusos, todos viram o mundo sacudir como num grande terremoto. Surgiam, enfim, os primeiros raios de sol. Era o dia que caía da cama.
Ainda gemendo de dor, remelento, de pijama e com um bafo horrível, ele deu sua primeira entrevista coletiva aos ansiosos repórteres.
-Seu dia, o que houve?
-Uahhhh!!! Que sono! Alguém poderia me trazer um cafezinho?
-O Sr. nunca se atrasou antes, está se sentindo mal?
- Ai, gente, que estresse. Eu só estava um pouco cansado... andei até pensando em tirar umas férias.
- Férias?
- Isso mesmo, férias. Dizem que nos pólos os dias trabalham seis meses e descansam os outros seis. Já pensou que beleza? Seis meses hibernando, como um urso!
- O Sr. não pode ser dar o luxo de simplesmente sair de férias. As pessoas têm compromissos. Seria muita irresponsabilidade!
- Sabe, eu estou cansado de trabalhar de sol a sol sem ser reconhecido. Só ouço as pessoas dizendo “ Que dia horrível”, “Tive um péssimo dia”, “ Não vejo a hora deste dia acabar”, “Dias melhores virão”. Parece que tudo é minha culpa. Tô de saco cheio!
- Mas sempre foi assim. E o senhor nunca reclamou!
- Pois agora estou reclamando! Trabalho de graça e ninguém está nem aí. Cansei! Dona Noite que faça jornada dupla.
E, com a maior cara de pouco caso, o dia se retirou novamente para o seu quarto, fez as malas com tudo o que tinha direito, pegou seu passaporte e foi embora, deixando todos aqui na Terra na mais completa escuridão.
