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  • Quarta-feira, 08 de dezembro de 2004


    A visita


    O luar espremia-se pela fresta estreita da grade, invadindo a pequena jaula. Ana andava em círculos, indiferente à beleza da noite. Suas pisadas eram leves e macias, como se também tivessem sido adestradas. Da antiga ferocidade, só mantivera o ranger constante dos dentes. Os olhos pacatos e tontos eram dois prisioneiros resignados em uma torre.

    As grossas patas, de unhas compridas, tremiam acuadas. Como se a qualquer momento ela pudesse ser atingida em cheio pela espingarda de um caçador. Agora ela era o alvo. Mas resistia.

    Quando a pequena visitante de cabelos cacheados apontou no imenso corredor, sentiu os músculos das pernas frequejarem e deitou-se, oferecendo a cabeça mansa para um afago. A menina recuou alguns passos: jamais acariciara uma fera. Do alto de seus 5 anos, não podia saber que até os animais mais ariscos anseiam por amor.

    Ana rugiu num pranto compreensivo. Um pouco era de fome. Queria devorar a fatia sangrenta e fresca de vida que lhe fora arrancada.

    Com o focinho gelado e úmido caminhou pesadamente para o canto mais escuro da cela. Mas a menina avançou hesitante, entregando-lhe o que pareceu ser um rascunho de sorriso. Uma pequena fatia de sorriso para saciar a sua grande fome de ser.

    Com a voracidade de quem já se acostumara a não sentir, Ana lambeu delicadamente a esmola atirada por entre as grades. Não era mais fera, era só uma pobre velha enfeitiçada pela neta de cachos louros e delicados.

    Agora a garota , cheia de coragem, acariciava os cabelos brancos e macios da avó, deixando-se inundar por uma onda morna e adocicada de algo que ainda nem sabia o nome: compaixão.

    Num movimento lento e preciso, como quem teme tocar algo extremamente frágil e precioso, a velha deslizou suas mãos de pele murcha e enrugada pelo rosto pequenino da neta. E as duas criaturas, que ansiavam pelo mundo, sorriam, hipnotizadas pela bondade extrema da noite. Era como se de repente, uma confessasse à outra, sem precisar esperar mais por um julgamento: sou inocente.