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  • Quarta-feira, 24 de novembro de 2004


    A delicadeza da chuva


    Parada diante da janela, Clara esperava o dia nascer. Ela, que também temia os primeiros raios de sol. Ela, que desejaria que a noite se estendesse por toda a sua vida. Ela, que jamais amanhecera.

    A chuva caía pesada e amarga, tornando tudo mais perecível. E era delicioso ver como as pessoas ficavam mais frágeis.

    A enxurrada que arrastava o lixo. A água que diluía a poeira do ar e borrava as maquiagens dos rostos. As poças que sujavam os sapatos. O vento que desmanchava os penteados.

    Homens e mulheres correndo, assustados, como se de repente, pudessem ter seus mistérios revelados.

    Os semblantes gris, carentes de sol. O dia que seguia modorrento, como se existisse por obrigação. Flores multicoloridas desabrochando sobre as cabeças úmidas, na forma de desajeitados guarda-chuvas. Era como se, de repente, a rua se transformasse em um imenso jardim, um campo feito só para seus olhos cinzentos. Justo para ela, que só sabia ser chuva.

    E assim, desbotadas, Clara e a manhã escorriam pela cidade. Ela, que também era menina de tempestades. Que sabia bater portas e janelas. Que derrubava as roupas dos varais. Que pegava as pessoas desprevenidas. Que erguia as saias das meninas. Que levava os chapéus das visitas.

    Ela, que era só tormenta e no entanto também era desejada. Ela, que era revolta como as águas do oceano. Que desaguava em lugar algum. Ela que era turva porque jamais aprendera a ser cristalina. Mas que no entanto era profunda e pura. Que era rica e fértil. Que sabia de naufrágios. Que lera mensagens de garrafas lançadas ao mar. Que ouvira o choro das mulheres de pescadores durante a madrugada. Que guaradava o tesouro de navios centenários. Que velava o cadáver dos afogados. Que vira homens se apaixonar pelo canto das sereias. Que também era atraída pela lua. Que transbordava como as marés. Que era salobre e triste.

    Clara, que se atirava contra os rochedos. Clara, que visitara ilhas distantes e desertas. Clara, que era uma estrela do mar. Clara, que era chuva, mas também era arco-íris.